Cinco anos depois de
renunciar à presidência do Senado fustigado por um escândalo político,
senador alagoano se prepara para reassumir o cargo
Laryssa Borges, de Brasília
Renan Calheiros, senador (PMDB-AL)
(Minervino Junior/Agência BG Press)
"Presidir esta Casa é consequência das circunstâncias políticas”. Era 4
de dezembro de 2007, quando o alagoano Renan Calheiros, um dos
principais líderes do PMDB, cedeu e, para usar suas próprias palavras,
decidiu “arredar o pé” e renunciar à presidência do Senado Federal. A
decisão, lida às 16h no plenário, marcou o desfecho de uma crise que se
arrastou por 194 dias e evitou que ele, enxovalhado por denúncias, mais
do que a cadeira de presidente, perdesse também o
mandato.
Aos 57 anos, 18 deles no Senado, Renan Calheiros se considera um
sobrevivente. Aprendeu desde cedo que, nos corredores do Legislativo
estadual ou nos carpetes de Brasília, deveria manter sempre o pé em duas
canoas. Apontado como um dos mais hábeis políticos em atividade, tem
como lema negociar antes de enfrentar, mas também é conhecido pela
personalidade vingativa e pelo apetite voraz pelo poder. Depois de
passar cinco anos atuando nos bastidores, remendando alianças
estremecidas e contemplando aliados, Renan se prepara para sair das
sombras e voltar à presidência do Senado em fevereiro - com o aval do
Palácio do Planalto.
Diplomático, o peemedebista não bate de frente com candidatos
alternativos à sucessão de José Sarney. Para aliados, é propositadamente
“dissimulado”. Em campanha velada, distribui afagos – e, como de praxe,
promete cargos – para aplacar potenciais opositores. No Senado, amansou
peemedebistas: Roberto Requião ficou com a presidência do braço
brasileiro do Parlamento do Mercosul; Eduardo Braga virou líder do
governo; Romero Jucá foi nomeado relator do Orçamento para 2013; e Vital
do Rêgo ganhou notoriedade como presidente da CPI do Cachoeira.
"Ele nasceu para fazer política, tem o dom da articulação. Participa,
influencia, decide, ajuda. Renan é um articulador nato, ele sabe fazer",
diz o líder do PTB no Senado, Gim Argello.
Atualmente, voltou a cair nas graças do Palácio do Planalto por ter
atuado diretamente no controle do ritmo – e da abrangência
(restritíssima) - das investigações da comissão de inquérito que
apuraria as relações do contraventor goiano Carlinhos Cachoeira com
empresas e políticos. Também é relator da prioritária
medida provisória
que propõe mudanças no setor elétrico, considerada a menina dos olhos
da presidente Dilma Rousseff. Reservadamente, diz não acreditar que a
relatoria da MP possa sacramentá-lo na presidência do Senado. Mas sabe
que qualquer deslize na condução do texto sobre os novos contratos do
setor elétrico invariavelmente provocará uma ofensiva direta do Palácio
do Planalto contra suas aspirações.
Renan atribui as lições políticas a José Sarney e ao apoio pessoal que
recebeu do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no auge da crise de
2007. Hoje, depois de ver o próprio Sarney se safar do escândalo dos
atos secretos no Congresso, em 2009, o alagoano afirma nos bastidores
que não precisava necessariamente ter renunciado à presidência do
Senado. E insiste no discurso de que foi a imprensa quem tentou lhe
tomar o mandato.
Entre altos e baixos, aliados e desafetos são unânimes em afirmar que o
instinto de sobrevivência de Renan é a sua principal característica. E
lembram que, em momentos de tensão na base governista, era Renan quem
insuflava as rebeliões e, em seguida, assumia o papel de interlocutor
com o Palácio do Planalto para dissipar a crise. Em troca, nunca saiu de
mãos vazias.
Em embates pessoais, atribuiu ao usineiro João Lyra parte do escândalo
envolvendo a jornalista Mônica Veloso, em 2007.
o
senador tinha despesas pessoais pagas por Cláudio Gontijo, lobista da
construtora Mendes Júnior. Entre os préstimos do empresário estavam a
pensão e o aluguel da jornalista, com quem o senador teve uma filha fora
do casamento.
Dos cinco processos aos quais respondeu no Conselho de Ética por quebra
de decoro parlamentar no auge da crise – as denúncias envolviam lobby
em favor da Schincariol, cobrança de propina em ministérios controlados
pelo PMDB e espionagem de adversários políticos – o que considera ter
enfrentado com maior desgaste foi a revelação de sua relação
extraconjugal. Acreditava que estava passando por “duas guerras”, uma
política, na qual os senadores Arthur Virgílio (PSDB), Demóstenes Torres
(DEM) e Pedro Simon (PMDB) pediam sua cabeça em plenário, e outra mais
acirrada: em casa. Sua esposa Verônica e os três filhos, incluindo o
deputado Renan Filho (PMDB), lhe viraram as costas.
"Tenho muito respeito pelo Renan. Ele tem qualidades. Ajudou a
transformar o Collor em presidente da República, e isso apesar de o
Collor ter brigado com Renan antes. Mas, taticamente, para ele não é
interessante entrar nessa jogada de sucessão no Senado. Em 2007 ele
renunciou à presidência antes da votação da cassação dele e agora volta?
Não fica bem", diz o rival de outrora Pedro Simon.
As relações dúbias de Renan com aliados e desafetos já envolveram, por
exemplo, uma sociedade oculta com João Lyra, que viria a romper com o
senador depois, para a compra de veículos de comunicação. Nas eleições
municipais de outubro deste ano, no entanto, Renan Calheiros não viu
problema em se aliar ao próprio Lyra para apoiar a candidatura do
pedetista Ronaldo Lessa à prefeitura de Maceió. Os tentáculos do
provável futuro presidente do Senado vão desde sua assinatura na ata de
fundação do PSDB, em junho de 1988, até as alianças oscilantes com o
senador Fernando Collor e com o atual governador de Alagoas, Teotônio
Vilela.
Na relação direta com o Palácio do Planalto, agora revitalizada depois
de o PMDB ter emitido sinais de que não aceitaria o nome do ministro de
Minas e Energia, Edison Lobão, como candidato à sucessão de Sarney,
Renan capitaneou rebeliões para barrar em março no Congresso a
recondução de Bernardo Figueiredo
ao cargo de diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres
(ANTT). A grita do PMDB é histórica: sempre está insatisfeito com o
ritmo de liberação de emendas parlamentares, com a morosidade na
nomeação de apadrinhados, com a falta de autonomia dos ministros não
petistas.
Sem Lobão e agora com caminho livre para ser ungido presidente do
Senado, Renan Calheiros revelou a interlocutores ter a convicção de que
pode sair vitorioso facilmente. Acredita que já não tem de enfrentar as
três principais pedras nos seus sapatos dos idos de 2007: a força de
oratória do senador Pedro Simon e as línguas afiadas do ex-senador
tucano Arthur Virgílio, ex-amigo pessoal, e do senador Demóstenes
Torres, cassado após revelações de parceria espúria com Carlinhos
Cachoeira. Para o político alagoano,o passado não é capaz de impedir seu
retorno à presidência do Senado. Presidir o Senado, diz ele, é mesmo
“consequência das circunstâncias políticas”.
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